Por Dani Saraiva, consultora em desenvolvimento organizacional com mais de 25 anos de experiência no terceiro setor e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Doar transcende abrir a carteira ou desfazer-se de itens que não precisamos mais. É reconhecer que nossa conexão com os outros vai além de nós mesmos, entendendo que somos partes de uma comunidade interdependente. Como destacado por Eikenberry, Brown e Lukins (2015), a motivação para doar muitas vezes surge da sensação de bem-estar ao fazer o bem aos outros, em vez de buscar benefícios maiores.
No entanto, para compreender verdadeiramente a importância da doação, é necessário transcender a mentalidade de singularidade e adotar uma visão coletiva. Vivemos em um mundo marcado pela polaridade entre o "eu" e o coletivo, onde o individualismo frequentemente prevalece sobre a solidariedade.
Em minha jornada pessoal, uma das partes mais desafiadoras foi lidar com a falta de segurança emocional em casa e a sensação de não pertencimento. Esta experiência me impulsionou a cultivar um espaço interno para compreender aqueles que são excluídos pelo contexto e, muitas vezes, oferecer-lhe segurança.
Com vinte anos, fiz a transição do mundo corporativo para o terceiro setor, trocando a segurança de um emprego em um grande escritório de advocacia por trabalho voluntário. Esta mudança não foi motivada pela busca por segurança, mas sim pela vontade de aventura e de interagir com o mundo de uma forma mais significativa. A doação não foi inicialmente intencional, mas sim um experimento para me conectar com algo além da minha própria bolha, mesmo antes da popularização das redes sociais.
Inicialmente, meu impulso era egoísta – como eu poderia salvar o mundo? Como o mundo poderia me salvar? Porém, ao longo do tempo, descobri que a verdadeira gratificação vinha da conexão genuína com os outros e da possibilidade de contribuir para mudanças sociais positivas.
Com a chegada da maternidade, minha doação se concentrou em meu filho. Ser mãe foi um processo de doação em um sentido mais amplo, uma jornada que não desejo perder de vista na narrativa. Doar não se limita a entregar-se; é também uma parte intrínseca da vida de uma pessoa que escolhe cuidar de uma nova vida.
Essa fase da minha vida exigiu uma doação ainda maior em um mundo que muitas vezes valoriza mais o eu do que o todo. Entendo que muitas pessoas fazem isso por necessidade de sobrevivência, o que também foi o meu caso. Tive que dedicar tempo e atenção aos meus filhos em uma cidade nova, sem família ou rede de apoio. No trabalho no terceiro setor, fui assumindo papéis mais burocráticos em organizações intermediárias, priorizando resultados em detrimento da conexão emocional.
Aprendi, depois de refletir sobre minhas experiências, que a doação pode assumir diversas formas e camadas, desde a assistencialista, que não se propõe a mudar contexto, até a mais profunda assistencial, que se propõe a trabalhar pela mudança. Entrar no mundo da doação foi para mim e é em última análise, um processo de autoconhecimento e conexão ampliado com o mundo.
Ao valorizarmos e promovermos diferentes formas de inteligência, como a empatia, a cooperação e a criatividade, podemos construir uma sociedade mais inclusiva e sustentável. Trazer a doação para o centro de nossa sociedade é reconhecer nossa conexão com todas as formas de vida e os problemas sociais que enfrentamos. Existem muitas maneiras de doar - objetos, tempo e recursos financeiros -, mas o essencial é fazê-lo com intencionalidade e em relação, não apenas por obrigação ou culpa.
Convido você a se abrir para esse processo de doação no processo de integração entre seu eu e o mundo como um único todo. Não existe certo ou errado, só o início sem volta.
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