Por Pamela Dietrich Ribeiro , coordenadora de programas no GIFE e integrante do comitê coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação.
Vivemos hoje um importante ponto de inflexão da filantropia e do investimento social privado (ISP), que pressiona o campo a se movimentar para seguir relevante e cumprindo seu papel de apoiar a transformação socioambiental com recursos privados. Algumas organizações estão atentas a isso e já se movimentam, outras incorporaram algumas mudanças no discurso, mas não na prática e outras tantas parecem existir num universo paralelo, alheias à urgência do que se demanda hoje do ISP.
A primeira mudança necessária passa pela compreensão de que os problemas que tentamos resolver por meio dos recursos filantrópicos são complexos e sistêmicos. Um ator isolado não será capaz de resolvê-los. Portanto, a colaboração é uma mudança-chave para a filantropia e o ISP. Colaborar com os territórios, as organizações e as lideranças que estão à frente das transformações, colaborar com as políticas públicas, colaborar com outros investidores sociais e atores da filantropia por meio de iniciativas de co-financiamento. A complexidade exige ações coordenadas e funcionando em harmonia, como uma grande orquestra em que cada instrumento tem seu papel e sua importância no sucesso de uma sinfonia.
A grande diferença de uma orquestra é que numa iniciativa colaborativa envolvendo a filantropia e o ISP não existe (ou não deveria existir) um maestro e hierarquias, o que nos leva à segunda mudança: compartilhamento de poder. Sabemos que tradicionalmente o dinheiro vem acompanhado de poder. Porém, essa é uma tradição que a filantropia e o ISP comprometidos com a transformação socioambiental não deveriam carregar para sua atuação. Cabe aqui um tanto de humildade para reconhecer que quem detém o dinheiro não necessariamente detém a totalidade do saber. Portanto, as decisões precisam ser compartilhadas com quem tem o conhecimento para solucionar os problemas.
Cabe à filantropia e ao ISP compreenderem também que problemas complexos e sistêmicos não são resolvidos do dia para a noite e com projetos pontuais. Parece tão óbvio, mas grande parte do ISP ainda atua no curto prazo e apoia exclusivamente projetos, estratégia conhecida como “recurso carimbado”. Precisamos de mais financiamentos com recursos livres e de longo prazo. Nenhuma organização da sociedade civil será capaz de cumprir sua missão e entregar bons resultados se não estiver fortalecida institucionalmente e com fôlego financeiro para se comprometer com entregas mais ousadas. Precisamos apoiar as Organizações da Sociedade Civil (OSC) em seu pleno potencial e confiar a elas o poder de decisão e execução.
Nenhuma dessas mudanças, necessárias à filantropia e ao investimento social privado, serão possíveis sem o doar, uma mudança básica e urgente. O ISP brasileiro ainda é mais executor de suas próprias iniciativas que financiador de iniciativas de terceiros e isso precisa mudar. O ISP que executa seus próprios projetos e iniciativas não apoia e fortalece OSC com recursos livres e de longo prazo. Na verdade, o recurso nem chega nelas, de nenhuma forma. Ele também não compartilha poder, na medida em que não precisa compartilhar decisões. Seus projetos, suas definições. Com sorte ele colabora com alguma OSC ou se alinha às políticas públicas. Portanto, doar é a primeira mudança necessária à filantropia e ao investimento social privado para que sigam relevantes e cumprindo seu papel.
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