Por Cássio Aoqui, é membro do conselho consultivo do Instituto MOL e da Liga Solidária. Atua como consultor em filantropia para famílias que querem trabalhar seu legado social, bem como para RSC/ISP de empresas, institutos e fundações nacionais e internacionais. Também é integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Nesta semana, aconteceu a maior edição da história do maior encontro de profissionais de captação de recursos da América Latina - o Festival ABCR. E, entre tantos temas pujantes (fiz parte do comitê científico e sei a dor que foi selecionar tantas propostas bacanas), um talvez improvável se destacou, na visão enviesada deste observador-participante: o de desenvolvimento institucional (DI) de organizações da sociedade civil (OSCs).
Logo de partida, a plenária de abertura do evento, que reuniu mais de mil profissionais do campo, já disse a que veio: "A importância de investir em desenvolvimento institucional". Foi de arrepiar (e parabéns Fernando do Amaral Nogueira pela curadoria impecável).
Minha querida Tiana Vilar Lins, ao lado de quem cocriei o Coletivo Labô (ou Labo, como ela prefere chamar!), que visa propor formas não-hegemônicas de fazer a mudança social, começou apresentando seu trabalho sobre o ciclo de inanição das OSCs no Brasil, que parte, por exemplo, das perspectivas irrealistas de quem financia. Tudo a ver com o que meu colega Renato Orozco muito bem trouxe na última edição deste Vozes do MCD, inclusive.
"Se buscamos transformações verdadeiras, as soluções passam por autonomia política das organizações da sociedade civil (autodeterminação), relações de confiança, recursos flexíveis e apoio ao desenvolvimento institucional. [...] DI é, portanto, um processo vivo e contínuo"
Arrematou Tiana, que foi seguida de falar contundentes de Jéssica Martins , da maravilhosa PretaHub , e do querido Rodrigo Pipponzi, da MOL Impacto e do Instituto ACP, duas organizações que estão movendo ponteiros nessa temática no país.
Se a esta altura eu já me dava por satisfeito, mal sabia que a cena mais marcante para mim desses dois intensos dias de abraços, bate-papos e fotos com várias pessoas do Movimento por uma Cultura de Doação ainda estava por vir: pouco depois, me vi espremido entre várias pessoas em pé (inclusive do lado "de fora" do espaço), pois faltavam cadeiras para a sessão da Plataforma Conjunta apresentada pela Camila Stefanelli Meireles e a Paola Caiuby Santiago, sobre recursos para a gestão e sustentabilidade das OSCs. Com o melhor desconforto da vida, me perguntei: "Será que o DI tá ficando pop?"
Como nem tudo são flores, no mesmo dia, participei de uma recepção e, com dor, ouvi da Antonieta Costa da Casa das Pretas do Mato Grosso, uma liderança social com um trabalho fundamental de direitos humanos em Cuiabá (MT):
"Estou há nove meses sem pagar o aluguel, estou desde setembro sem dormir".
Está nítido que temos muito que caminhar ainda no tema de DI. A urgência de quem faz a mudança social acontecer é para ontem, no ritmo de desigualdades que não param de crescer. Mas estou certo de que nunca problematizamos e falamos tanto sobre DI como atualmente. Por esse motivo celebro este momento, fruto de uma jornada coletiva que começou há tempos (vale lembrar que uma das diretrizes do Movimento, a de #4, vai direto ao ponto nesse tema: "Fortalecer as OSCs, [...] que precisam ser impulsionadas em seus processos de desenvolvimento institucional").
E esse movimento segue: em breve, por exemplo, a própria Plataforma Conjunta lançará um estudo inédito sobre as ofertas de DI no Brasil, o qual tive a honra de corredigir com a Andressa Trivelli.
Quer alguns spoilers? Analisando as oportunidades mapeadas, vemos que existem, sim, opções de recursos financeiros flexíveis no Brasil, porém grande parte com visão de curto prazo. Que as formações hoje no país são majoritariamente virtuais - com todos os prós e contras disso. Que quem aporta recursos em DI hoje muitas vezes está na agenda de justiça social, mas que há um grande espaço para a filantropia tradicional participar.
Não sem o receio do esvaziamento ou da apropriação indevida do conceito de DI nesse campo com tantas narrativas em disputa, sou do time que defende mais recursos para DI em prol de uma sociedade civil cada vez mais fortalecida.
E, para isso, precisamos imaginar mais, falar mais, pesquisar, trazer casos, criar causos sobre o tema. Como fizeram praticamente todas as pessoas que escreveram neste ciclo de quatro meses do Vozes do MCD, o qual tenho a honra de encerrar hoje. Como a Pamela Dietrich Ribeiro, neste texto sobre recursos flexíveis, e a Rachel Añón, neste em que aborda confiança.
E, para parafrasear a Silvia Daskal, se o título dela é "Brasil é o país mais generoso do mundo", um dos meus sonhos para chegar nisso passa justamente pelo DI das OSC's. E, para isso, é das doações com mais liberdade e afeto sonhadas pela Joana Ribeiro Mortari, que estamos precisando, seguramente. E elas estão vindo, emergindo e, oxalá, crescendo.
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