Desconcentrar poder, conhecimento e riquezas
- culturadedoar
- 10 de mai.
- 3 min de leitura
Por Ana Clara Leite, sócia e diretora comercial da Prosas e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação

Escrevo este artigo tendo como pano de fundo o belíssimo mar de Fortaleza. Estou na cidade para o 13º Congresso GIFE, que neste ano traz como tema uma questão urgente e necessária: "desconcentrar poder, conhecimento e riquezas".
Enquanto aguardo o início do evento, não consigo deixar de pensar nos dados que compartilhei há dois dias. Na última segunda-feira, tive a oportunidade de apresentar o lançamento do Painel do Esporte da Prosas, uma ferramenta interativa que traz mais transparência e dados sobre o uso de incentivos fiscais no setor esportivo. Uma das primeiras análises que compartilhei chamou a atenção para uma disparidade preocupante: enquanto o mecanismo federal bateu recorde de arrecadação em 2024, a região norte registrou queda no volume de recursos captados e sua representação no todo do mecanismo vem diminuindo ano após ano. Em 2024, a região captou apenas 1,9% dos recursos destinados ao mecanismo. E aqui vão mais alguns dados:
As 10 empresas que mais destinaram recursos ao mecanismo no ano passado estão sediadas no sudeste;
6 delas investem a maior parte dos recursos em São Paulo e 2, no Rio de Janeiro;
Das 10 organizações que mais captaram recursos no mecanismos em 2024, 8 são do sudeste (6 de São Paulo, 1 do Rio de Janeiro e 1 de Minas Gerais); 1 organização é do sul e 1 organização é do nordeste (Bahia);
Do mais de R$1 bi captado no mecanismo em 2024, 68,4% do recurso foi destinado a proponentes do sudeste.
Afora a discussão de mecanismos de incentivo poderem ser considerados doação ou não, tema que já foi muito bem estressado neste espaço do Vozes, é inegável que o comportamento de uso dos mecanismos reflete as premissas e estratégias de destinação de recursos e filantropia.
Esse cenário evidencia os desafios da centralização de recursos e a necessidade urgente de promover uma descentralização efetiva, especialmente quando se trata do fortalecimento de organizações da sociedade civil que atuam nas bases, na maioria das vezes em contextos de vulnerabilidade e invisibilidade. Os dados reforçam que, mesmo diante do crescimento global do volume de destinações, há regiões e causas sistematicamente excluídas dos fluxos financeiros mais relevantes. Isso impede que projetos transformadores avancem, impactando negativamente o desenvolvimento local e a equidade no acesso a oportunidades.
Não há solução simples ou imediata, mas sabemos que é fundamental repensarmos os critérios de distribuição de recursos. Compartilho algumas reflexões rápidas que podem ajudar no debate:
Promover maior diversidade na governança de fundos, empresas, comitês e organizações doadoras;
Investir em desenvolvimento institucional, informação e infraestrutura para que grupos historicamente minorizados possam acessar editais e oportunidades, apresentando seus projetos e ampliando suas ações de captação;
Rever critérios e exigências dos processos de seleção, rompendo com lógicas corporativas importadas de contratação de fornecedores que favorecem apenas grandes organizações;
Destinar recursos a fundos filantrópicos de terceiros focados em regiões e/ou causas específicas.
Desconcentrar riquezas e oportunidades é também uma escolha política e estratégica, que passa por reconhecer a potência de iniciativas fora dos grandes centros e apoiar a construção de um país mais justo e plural. Espero ansiosa que os três dias de trocas no Congresso GIFE possam reverberar em ações práticas no setor. Como alavancar doações para regiões, grupos e causas minoritárias deve estar no centro das discussões do campo social.
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