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Destinação de impostos x doação

Atualizado: 13 de out. de 2022




Uma questão que frequentemente volta à pauta da comunidade do Movimento por uma Cultura de Doação é: destinar impostos para uma causa é doação ou não? Algumas pessoas acreditam que não, pois o dinheiro de impostos não é um recurso que teríamos à disposição para uso próprio e a doação seria a partir de recursos públicos (aquela máxima de fazer caridade com dinheiro alheio); para outros, a atitude de destinar qualquer valor uma causa já é suficiente para que isso seja considerado um ato de doação.

Para contribuir com a formação de opinião dos leitores,convidamos dois integrantes do grupo – ambos doadores e ativistas da Cultura de Doação – com visões opostas (ou seriam complementares?). Para João Paulo Vergueiro, diretor executivo da ABCR - Associação Brasileira de Captadores de Recursos, a intenção é o principal critério, superando questões ‘semânticas’; enquanto na visão de Joana Mortari, consultora da Philó e diretora da Associação Acorde, é importante separar conceitos para otimizar esforços e resultados.

Convidamos você a ler abaixo as opiniões de ambos e formular a sua.

Boa leitura!


 

Direcionar impostos é doar?

Por Joana Mortari, doadora, ativista por uma Cultura de Doação, consultora da Philó e diretora da Associação Acorde

Quem me conhece sabe que sou insistente em dizer que não, que direcionar impostos e doar são coisas diferentes. Doar é sobre recursos próprios e para benefício de outros, ainda que o doador possa se beneficiar, como quando a doação é para um museu que também frequenta. Os impostos são devidos ao governo e direcioná-los é um direito do cidadão de decidir onde o imposto que ele deve ao governo será investido. Se não direcionado, a decisão fica a cargo do governo.

A primeira coisa que quero dizer, sobre esta discussão, é que diferenciar doação de direcionamento não acarreta um juízo de valor, ou seja, ambos são importantes para o financiamento da sociedade civil e o diferenciar não tem como intenção tornar o direcionamento menos importante do que a doação, ou vice-versa. Ora, mas então por que diferenciar? Por que não chamar tudo de doação e pronto? Boa pergunta. A meu ver, a diferenciação é importante para que possamos ter mais consciência sobre nossas práticas de financiamento da sociedade civil, de suas dinâmicas e nuances, o que vai se tornando mais crítico conforme o ato de doar ganha força moral e é valorizado pela sociedade. Explico.

Enquanto que, regra geral, é preciso insistir para que doadores individuais contem suas histórias de doação para inspirar seus pares, no campo empresarial o distanciamento do anonimato é mais comum. Conforme a sociedade reconhece o valor da doação como uma forma de participação social, maior a associação positiva e valorização de uma marca de empresa doadora. Até aí, tudo bem. A promoção da cultura de doação acontece, dentre outras formas, quando há uma força de percepção social que puxa cidadãos e empresas em direção à uma atitude positiva; neste caso o doar.

A coisa começa a ficar confusa quando a prática de direcionar recursos do governo se veste de doação e transmite à sociedade a sensação de que foi um recurso desembolsado pelo doador, o que não é verdade. Mais crítico ainda, algumas empresas consideram as ações sociais e ambientais que são obrigadas a executar - às vezes até por terem cometido infrações e estarem em processo de reparação de danos - como doações, listando-as em relatórios de sustentabilidade. Em seu extremo, permite que empresas de capital aberto, cujos administradores têm o dever fiduciário de serem eficazes e eficientes na geração de dividendos aos acionistas, consigam valorizar sua marca com recursos do governo, o que valoriza as ações da empresa e gera riqueza aos acionistas.

Diferenciar é importante para podermos enxergar e reconhecer, com consciência e consistência, que empresas têm práticas moralmente distintas, ainda que legalmente aceitas. De outro modo, a não diferenciação nos torna parte ativa do sistema que sustenta e permite que práticas amorais aconteçam e que, ao mesmo tempo, escondem o mérito de empresas sensíveis às diferenças e com práticas claramente distintas de doação e direcionamento de imposto. Juntar os conceitos parece não apenas empobrecer a conversa sobre doar, mas fazer o volume diminuir, não aumentar.


 

Na doação é a intenção que vale, e não a semântica

Por João Paulo Vergueiro, doador, ativista por uma Cultura de Doação, diretor executivo da ABCR Associação Brasileira de Captadores de Recursos

No mundo todo, o Estado é um dos principais parceiros no estímulo à generosidade das pessoas e empresas, implementando modelos de incentivo tributário que alavancam as doações.

Eles se multiplicam pelo países: as pessoas colocam as doações em seus testamentos, e pagam menos impostos sobre a herança; são generosas em vida, e abatem do imposto de renda; às vezes até doam seu patrimônio e continuam a usufruir dele (como imóveis, por exemplo), realizando um verdadeiro planejamento tributário das doações realizadas.

No Brasil não temos quase nada disso. Até temos leis de incentivo tributário de doações (a Rouanet, do Audiovisual, FUMCAD etc), para algumas causas específicas, mas elas são tão burocráticas e ineficientes que nem 5% de todo mundo que poderia se aproveitar delas faz doações.

E olha que é possível abater 100% do que é doado, algo praticamente incomum no resto do mundo.

A situação por aqui é tão esdrúxula, que ao invés de estimularmos o desenvolvimento de mais e modernos mecanismos de incentivos fiscais, perdemos tempo discutindo se quando a pessoa abate do imposto ela está realmente fazendo uma doação ou apenas uma "destinação" de recurso público (e até a Receita Federal recai nesse erro semântico).

E por que fazemos isso? Porque somos chatos, oras!

Eu poderia argumentar que todas as leis brasileiras de incentivo fiscal usam a expressão "doação".

Eu poderia também reforçar que no mundo inteiro se fala em doações com incentivos fiscais, e nunca em "destinação".

Mas nada disso seria importante.

O importante, no fundo, é a intenção. É ela que faz a diferença.

Quando eu tenho a opção entre contribuir com uma causa ou pagar um imposto, e opto voluntariamente por ser generoso com uma instituição sem fins lucrativos, eu estou fazendo uma doação, ainda que ela seja 100% "abatível" de determinado imposto.

Nós temos que estimular mais doações. Nós temos que valorizar as doações. E nós temos que promover quem doa. E não perder tempo com debates infrutíferos.

A gente chega lá!


 

Este conteúdo contempla a diretriz 1 do Movimento

por uma Cultura de Doação. Conheça aqui as diretrizes.

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