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A doação e a ética do cuidado



Por Patrícia Kunrath Silva, coordenadora de conhecimento do GIFE e integrante do Movimento.


Publicado originalmente no Vozes do MCD




O ato de doar carrega em si uma dimensão de cuidado. Em um artigo acerca da Bioética do cuidar: uma dimensão relacional, a Professora Zoboli indica que "A palavra “cuidado” deriva do latim cura ou, de sua forma mais antiga, mera. Era usada num contexto de relações de amor e amizade, expressando uma atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação. Outra origem apontada para “cuidado” é cogitare-cogitatur, que significa cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e de preocupação”. Os dois sentidos estão intimamente ligados entre si, o cuidar constitui um modo de ser, uma construção cultural da dimensão relacional com o outro que requer pensar e se responsabilizar por algo além de si mesmo.


Uma das grandes pensadoras acerca da ética do cuidado é Carol Gilligan da Universidade de Harvard. A pesquisadora e intelectual feminista demonstra como há um imperativo moral para as mulheres que configura-se na obrigação do cuidar. Não à toa, historicamente, o lugar da caridade e da filantropia, por muitas vezes, foi e é o lugar das mulheres. Entretanto, este é também um lugar do fazer política, um lugar de ocupar a esfera pública. Para os homens, a autora indica que esse imperativo "aparece como o dever de respeitar as pessoas protegendo-as de qualquer interferência em sua autonomia ou nos direitos à vida e à auto-realização. A esta perspectiva que define os problemas éticos com base em valores hierárquicos e nas disputas impessoais de direitos Gilligan chama "ética da justiça", contrapondo-a à "ética do cuidado", prevalente na visão feminina”.


Percebemos que dentro de uma lógica cartesiana que prioriza o "racional" e o domínio da “natureza" pelo cultural, as características ditas como femininas são pormenorizadas em detrimento daquilo que seria o masculino. A filantropia não fugiu a esse paradigma. As práticas filantrópicas se desenvolveram voltando-se para a ética dos resultados, daquilo que é mensurável, muitas vezes se sobrepondo ao processo e ao cuidado.


A questão que se coloca então é a de como conciliar a ética do cuidado e a ética da justiça por meio de um doar por justiça social, que reconheça um novo léxico, de direitos e reparações. Entendemos que, por vezes, o foco precisa estar nos resultados, nos números e na mensuração. Entretanto, não podemos desequilibrar e perder de vista a dimensão do cuidado, do afeto e da emoção. Remetendo mais uma vez à etimologia da palavra filantropia que comporta a dimensão do amor e à do cuidado que traz a estima, a preocupação e o pensamento, elementos primordiais do que deveria pautar a dita racionalidade cultural humana.


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