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A relação entre filantropia e Estado ao longo dos últimos séculos


A revolução industrial marcou o início de um período de crescentes desigualdades.

Por Joana Mortari, diretora da Associação Acorde e integrante do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação



O esticar do tempo parece, de alguma forma, fazer pular compreensões. Ao ouvir, na última edição do Programa Despertar do Movimento por uma Cultura de Doação, Gisele Sanglard, pesquisadora da Fiocruz, falar sobre a evolução da doação no Brasil, desde a colonização até a primeira metade do século XX, e ao ler sobre a história da filantropia, grandes mudanças de paradigma se revelaram para mim.


Como disse um dos participantes do evento, conhecer processos históricos nos torna melhores ativistas pela Cultura de Doação. No encontro, Gisele trouxe referências do final do século XIX e me lembrei que foi a revolução industrial e a consequente concentração de riquezas e de pessoas nas cidades que gerou um aumento significativo dos problemas sociais. Como consequência, começa uma conversa pública sobre a relação entre recursos filantrópicos e a oferta de serviços sociais. Essa reflexão inclui críticas, tanto à capacidade da filantropia de endereçar os crescentes desafios, como também à sua forma de agir, por exemplo, a partir da ideia secular de pobres merecedores, ainda que o Estado tenha adotado padrões de pensamento semelhantes em muitos lugares. Começava a ser pavimentada a ideia de que o Estado deve abraçar a responsabilidade pelo bem estar social.


Durante o século XX acontece, ao redor do mundo, a transição de responsabilidade do setor filantrópico para o público, o que acaba por mudar significativamente suas características uma vez que a lógica de funcionamento do Estado é, por natureza, diferente da filantrópica. O ganho em escala, homogeneidade de serviços e a concepção da ideia de direito que substitui a de ‘ajuda’ certamente são conquistas deste período. Por outro lado, o pensamento público tende a focar no problema e não na pessoa, deixando para trás as características de individualidade, cuidado e afeto tão presentes na filantropia e, principalmente, no trabalho voluntário.


A relação entre Estado e filantropia ainda é bastante estudada e discutida e, mais recentemente, preocupações relacionadas ao poder de organizações filantrópicas ao redor do mundo e o respectivo controle de assuntos de interesse público têm emergido, mas essa deixaremos para outro artigo. Na Inglaterra, por exemplo, a transferência, para o Estado, da responsabilidade pela oferta de serviços sociais, causou um esvaziamento das práticas filantrópicas no século XX, enquanto as organizações sociais sobreviventes começaram a ser fortemente financiadas pelo governo. Conforme as décadas foram passando, estabeleceu-se uma relação de dependência financeira que fez com que os governos controlassem cada vez mais o setor social, inclusive, explicitamente silenciando suas críticas, o que gerou uma nova onda de reflexões sobre o papel da filantropia.


O final do século XX e começo do XXI são marcados pela consciência de que os papéis da filantropia e do Estado são diferentes e complementares, ainda que em alguns lugares, como no Brasil, muitas organizações sociais continuem provendo serviços que são, hoje em dia, direitos garantidos pelo Estado. Mesmo nesses casos, um financiamento independente é essencial para a garantia da liberdade de pensamento e ação, o que oxigena a sociedade civil, desenha o caminho para a expressão cívica e promove um espaço de inovação social. Um dos papéis fundamentais da filantropia passa a ser o de fomentar a formação e manutenção de uma sociedade civil desperta, vibrante. É em torno dessa nova consciência que nós, do Movimento por uma Cultura de Doação, nos organizamos, afinal....


Sonhamos com uma sociedade onde as pessoas doam generosamente. Onde causas e organizações recebem os recursos necessários para cumprir seu papel e compor uma sociedade civil organizada, vibrante, potente e autônoma, fortalecendo, assim, a democracia. Onde cada cidadão tem consciência do seu papel social e da relevância da sua doação para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, da sua comunidade e do nosso país. Onde doar se tornou cultura.
Unidos por esse sonho comum e por acreditar na doação como um elemento central para a construção do país que queremos, construímos juntos o Movimento por uma Cultura de Doação. Pra quem acredita que uma sociedade mais justa é possível e está disposto a trabalhar para fazê-la acontecer. Um espaço para refletir, estudar, compreender e unir forças, mentes e corações para encontrar os caminhos para construir e fortalecer a cultura de doação no Brasil, porque acreditamos que é o melhor que podemos fazer pelo nosso país. E porque teimamos em acreditar que sim, é possível.
Manifesto do Movimento por uma Cultura de Doação

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