Por Renata Cavalcanti Biselli, Superintendente Executiva da Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog da Silva (Abadhs), conselheira de instituições sem fins lucrativos que atuam em Saúde, Educação e Assistência Social e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.
Em um sábado, no ano de 2007, tive a oportunidade de participar de uma missa dentro das instalações do Arsenal da Esperança, uma instituição sem fins lucrativos fundada há 27 anos e que acolhe diariamente mais de mil homens em situação de rua, na antiga Hospedaria de Imigrantes, no bairro da Mooca, em São Paulo. Como você logo perceberá, o tema não é o Arsenal, mas fica aqui meu convite para que você conheça e veja com os seus próprios olhos o milagre que acontece lá, todos os dias.
Voltando àquele sábado, para quem não conhece o rito de uma missa, há o ofertório, momento em que os fiéis doam dinheiro para a manutenção da paróquia e de suas obras assistenciais. Pois bem, naquela missa, na hora do ofertório, fiquei surpresa ao ver alguns homens atendidos pelo Arsenal entrando na fila para realizar a sua doação.
Jamais esquecerei do meu espanto com esta cena. Eu, na minha pequenez, fiquei sem entender o que aqueles homens sem teto, sem bens e sem oportunidades estavam fazendo naquela fila. O que eles teriam para doar? Não seria insignificante? Não seria melhor manterem para si?
Uma confusão de sentimentos rapidamente passou por mim... A vergonha pelo meu pensamento medíocre de achar que não teriam o que doar, e pior ainda, de que a sua doação seria desnecessária... e uma humilhação profunda pela minha insignificância enquanto doadora.
Naquele sábado tive uma bela lição sobre o que significa doar.
A beleza do doar não está no quê, não está no como, não está no quanto e não está em para quem se doa. A beleza do ato de doar está na relevância do gesto pela perspectiva do doador. A beleza está na motivação individual, no sentimento que nutre o coração do doador ao doar.
A beleza do doar está em mim e está em você de acordo com os nossos desejos mais particulares. Ao quanto, de fato, estamos verdadeiramente dispostos a fazer parte de uma transformação social. Doar o que nos é relevante, o que nos é custoso, significativo, difícil até - e cada um sabe, no seu íntimo.
Não é sobre precificar uma doação. De modo algum é sobre o valor, o bem ou o tempo doado. É sim sobre o quanto este valor, este bem ou este tempo de que abriremos mão, nos é, de fato, relevante. Papa Francisco, em audiência no Vaticano pelo Dia de Doar, em 2017, refere-se ao ato de doar:
“não como um conceito abstrato, mas sim como uma atitude, uma ação que tem as raízes no próprio Evangelho. Uma experiência educativa que nos faz crescer humana e espiritualmente, abrindo a nossa mente e o nosso coração aos amplos espaços da fraternidade e da partilha, construindo assim, a civilização do amor.”
Precisamos enxergar corajosamente a realidade social do Brasil, que não é bonita e tão pouco simples de resolver. Entender que temos sim um papel e uma enorme responsabilidade. E atender a estes inúmeros desafios.
Refletindo sobre as minhas doações, dezesseis anos após essa missa, posso dizer que percorri o meu caminho, mas a estrada à minha frente ainda é longa. Como já dizia Dom Helder Câmara e eu obviamente não me lembrava naquele sábado de 2007: “Ninguém é tão pobre que não tenha nada para dar, e ninguém é tão rico que não tenha nada para receber.”
Comments