Vira e mexe essa pergunta aparece em alguma conversa que reúne profissionais do Terceiro Setor.
A dúvida é grande e, até hoje, não existe um parâmetro que seja aceito e adotado, especialmente entre aqueles que prestam consultoria para empresas estruturarem suas áreas de investimento social.
Deveria ser um percentual da receita, ou talvez do lucro? Lucro bruto ou líquido? E nesse caso, quanto seria? 1%, 2%? Igrejas de diversas religiões costumam pedir uma contribuição de 10% sobre a receita do doador. Seria possível aplicar o mesmo padrão para o investimento social das empresas?
Procurando um pouco, é possível encontrar algumas pistas. A pesquisa BISC, realizada pela Comunitas, publicou um artigo defendendo que a referência para o volume de doação de empresas seja uma parcela do lucro bruto. E informou que, nos Estados Unidos, algumas câmaras regionais de comércio reconhecem 2% do lucro bruto como sendo um bom indicador.
O problema de usar o lucro como referência do valor a ser doado é que em tempos de crise, as empresas costumam lucrar menos ou até mesmo ter prejuízo. Para se equilibrar, reduzem o quadro de funcionários, aumentando o desemprego. E justamente nesse momento, as doações vão diminuir. Para o modelo funcionar, seria necessário que as organizações beneficiárias mantivessem fundos de reserva para atravessar os períodos difíceis.
Apesar dessa dificuldade, o lucro é um parâmetro bem aceito ao redor do mundo. Existe o exemplo da Índia, onde, desde 2014, empresas com lucro líquido acima de 10 milhões de rúpias (cerca de 125 milhões de dólares) devem doar 2% desse lucro para organizações sem fins lucrativos. Se algo parecido fosse feito no Brasil, apenas as 25 maiores empresas teriam doado mais de R$ 9 bilhões* em 2021. Lembrando que, nesse mesmo ano, o investimento social das 350 maiores empresas brasileiras não passou da casa dos R$ 5 bilhões. Mas aqui cabe argumentar que doação obrigatória não é doação. Um dos pressupostos da doação é que ela seja espontânea.
De um modo geral, o 1% parece ter forte apelo. Existem vários movimentos ao redor do mundo pedindo 1% de contribuição. Um deles é Pledge 1%, que estimula empresas em fase inicial a se comprometerem a doar 1% do patrimônio ou 1% do tempo de seus funcionários para trabalhos voluntários ou 1% de seus produtos ou 1% do lucro. A ideia é que, na medida em que as companhias forem crescendo, as doações vão acompanhando.
Também há o One for the World, que pede a pessoas e organizações a doação de 1% da receita. De acordo com cálculos da OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, 0,1% da receita de seus países membros seria suficiente para eliminar toda a pobreza mundial até 2030. Portanto, doar 1% da receita já seria uma grande contribuição.
E só para citar mais um exemplo, temos o 1% for the Planet, propondo que as empresas doem 1% de sua receita, independentemente de ter lucro ou não, para proteger o planeta e para retribuir pelos recursos naturais que usam em suas operações.
Ressaltando que 1% é sempre o piso e não o teto para as doações.
Além disso, também existem as leis de incentivo, permitindo que as empresas destinem parte do imposto devido para organizações sociais. Essas ‘doações’ seriam consideradas no percentual ideal ou não?
Enfim, esse pequeno artigo é só o reflexo de um debate bastante rico que aconteceu entre integrantes do MCD e deixou a impressão de que está na hora de nos debruçarmos sobre essa questão e encontrar um parâmetro que faça sentido, e não apenas um percentual de algum item do balanço. Sobretudo, um parâmetro que seja justo para as empresas doadoras e bom para as organizações da sociedade civil que vão receber o recurso e têm a dura missão de lidar e buscar soluções para os problemas sociais e ambientais do Brasil.
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(*) Estimativa feita por Zeca Teodoro, integrante do MCD, com base no ranking da Economática das empresas com maior lucro no Brasil
Este artigo foi escrito a partir das informações e opiniões dos seguintes membros do MCD: Ana Carolina Velasco; Andréa Wolffenbüttel; Danielle Fiabane; Gustavo Bernardino; Joana Mortari; João Paulo Vergueiro; Hugo Guornik; Izabel Toro; Leonardo Letelier; Richard Sippli e Zeca Teodoro
Crédito da Imagem: https://econsa.com.br/
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