Cultura de Doação, Tragédias e Violência no Brasil - um Passado que não Passa, Interseções entre Solidariedade e Injustiça Estrutural

Por Zeca Teodoro, cientista social, doutorando em Ciência Política e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.

Imagem gerada por I.A.

Sob Calendário Gregoriano, o ano de 2025 finda em pouco mais de 60 dias. Ufa! 

A primeira versão desse texto preparado para Vozes tratava de uma espécie de balanço e alguns endereçamentos estratégicos para ano de 2026. Os duros, cruéis – injustificados e lastimavelmente repetidos - acontecimentos mais recentes no Rio de Janeiro exigiram mudança de rota e de abordagem. 

A partir dos dados da Pesquisa Doação Brasil 2024 e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, é possível tentar algumas aproximações sobre ações de mobilizações sociais diante de crises violentas ou de violências praticadas pelo Estado. Também podem sugerir ou revelar características latentes de potencial solidário da sociedade brasileira quanto suas limitações estruturais. 

Cabe-nos, também como Movimento, ainda que diante de um momento de dor, reflexão crítica sobre os mecanismos de engajamento cívico e os desafios para a consolidação de uma cultura de doação contínua e estratégica, direcionada estrategicamente para porções de população e geografias eternamente vulnerabilizadas na sociedade.

Cultura de doação e violência são fenômenos que, embora aparentemente distintos, compartilham um espaço comum na dinâmica social brasileira: ambos revelam os limites e as possibilidades da cidadania ativa. Cada vez mais recorrentemente estamos sendo chamados a compreender como tragédias (com suas inevitáveis reverberações sobre diversos tipos de violências) influenciam e podem influenciar práticas de doação e como essas práticas podem ser fortalecidas para além dos momentos de crise.

A Pesquisa Doação Brasil 2024, coordenada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), revela que 78% dos brasileiros com mais de 18 anos e renda familiar acima de um salário-mínimo realizaram algum tipo de doação em 2024, seja em dinheiro, bens ou tempo voluntário. O volume total de doações individuais atingiu R$ 24,3 bilhões, com um ticket médio anual de R$ 480. [idis.org.br]

2.1 Perfil do Doador

• Faixa etária predominante: 30 a 49 anos.

• Escolaridade: 57% dos doadores têm ensino superior.

• Renda: 63% dos brasileiros com renda acima de 8 salários-mínimos doaram em dinheiro.

• Gênero: homens e mulheres apresentam taxas semelhantes de doação.

Um capítulo inédito da pesquisa mostra que 50% dos brasileiros doaram em situações emergenciais, como desastres naturais e crises humanitárias. Destes, 66% afirmaram que pretendem continuar apoiando as instituições beneficiadas, indicando um potencial de fidelização pós-crise. [idis.org.br]

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 apresenta um retrato alarmante da violência no país. Em 2024, foram registradas 44.127 mortes violentas intencionais (MVIs), com uma taxa de 20,8 por 100 mil habitantes. [forumseguranca.org.br]

Perfil das Vítimas

• 91,1% eram homens.

• 79% eram negros.

• 49,4% tinham até 29 anos.

• 73,8% das mortes envolveram armas de fogo.

• 6.708 mortes foram causadas por intervenções policiais.

• A letalidade policial representa 15,2% das MVIs em alguns estados.

• A maioria das vítimas de ações policiais também é jovem e negra.

Interseções: Crise, Mobilização e Cultura de Doação

As tragédias violentas, como chacinas urbanas, operações policiais letais e desastres ambientais, têm gerado mobilizações sociais significativas. A resposta da sociedade civil, por meio de doações e voluntariado, revela um tecido social resiliente, mas ainda reativo e episódico.

Apesar do aumento nas doações, 49% dos brasileiros já deixaram de doar após notícias negativas sobre organizações sociais, evidenciando a fragilidade da confiança institucional. [idis.org.br]

O Termômetro da Doação 2024 classifica a educação para a cultura de doação como “estagnada”, com apenas 8% das iniciativas interagindo com escolas. [idis.org.br]Este é um campo bastante largo para trabalho integrado pelo MCD, interação com diversas 

A violência urbana e a violência de Estado, cada dia maior, é sintoma de desigualdades profundas, que exigem políticas públicas integradas e baseadas em evidência, em uma tessitura fina com a sociedade civil.

A interseção entre esses dois fenômenos aponta para reflexões adicionais em pelo menos quatro eixos estruturantes.

• Fortalecer a educação cívica voltada à solidariedade, aos Direitos Humanos e à educação para cultura de paz;

• Ampliar a transparência e governança das OSCs, reforçando laços, aumentando accountability;

• Criar incentivos fiscais e digitais para doações regulares, estáveis, duradouras, fidelizadas, de tal forma que seja possível planejamento estratégico e de longo prazo;

• Integrar ações de doação com políticas de justiça social e segurança pública.Sociedade e Estado devem caminhar juntos na busca de soluções integradas para problemas complexos.

A cultura de doação e a violência no Brasil são faces de uma mesma moeda: revelam o quanto a sociedade está imbricada e o quanto pode se mobilizar diante da dor, mas também o quanto precisa avançar para transformar essa mobilização em ação contínua e estruturante. O desafio adicional para o MCD está em converter a solidariedade emergencial em cidadania ativa permanente, cada vez mais capaz de enfrentar as raízes da violência e promover justiça social de maneira a plantar futuros, mesmo sob momentos dolorosos.

• IDIS. Pesquisa Doação Brasil 2024. São Paulo: Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, 2025. Disponível em: IDIS. [idis.org.br]

• Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025. São Paulo: FBSP, 2025. Disponível em: FBSP. [forumsegur...nca.org.br]