Como o fortalecimento da cultura de doação contribui para o enfrentamento às mudanças climáticas?
- culturadedoar
- há 12 minutos
- 4 min de leitura
Jonathas Azevedo, diretor executivo da Rede Comuá, integrante do Movimento por uma Cultura de Doação e ativista por uma filantropia comprometida com a justiça socioambiental e com a defesa de direitos.

Nos mais recentes eventos e fóruns sobre mudanças climáticas e filantropia, muito tem se debatido sobre a importância de ampliar os recursos que chegam para povos, comunidades e grupos que estão entre os que mais sofrem os efeitos das mudanças do clima e que menos contribuem para agravar o quadro, seja em áreas florestais e rurais ou em periferias de cidades.
A preparação para a COP30, que será realizada em território brasileiro, em Belém do Pará, tem pautado o debate sobre adaptação e a importância de mobilizar múltiplos atores e atrizes, de diferentes setores, para endereçar soluções para as mudanças climáticas.
Nesse sentido, discutir o fortalecimento da cultura de doação na agenda climática e de biodiversidade é estratégico. Embora desastres socioambientais já mobilizem um volume expressivo de doações no nosso país, é importante pautar de que forma esses recursos podem ser direcionados para agendas além daquelas de resposta rápida a eventos extremos e seus efeitos nos territórios.
A adaptação é uma agenda que vinha recebendo pouca atenção, inclusive ao longo das conferências de clima, muito focadas em endereçar a mitigação por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, vem entrando rapidamente no radar frente à velocidade com que eventos climáticos extremos têm acometido o mundo, notadamente o Sul Global. E é colocada como uma agenda central na COP30.
No Brasil, o caso mais emblemático de desastre ambiental ligado à questão climática aconteceu no Rio Grande do Sul, em 2023. Mas basta acompanhar as notícias de chuvas torrenciais, aumento do nível de rios, secas extremas, aumento do preço de alimentos e energia e outros eventos para perceber que a mudança climática deixou os relatórios e já está presente e perceptível no dia a dia das pessoas.
Os territórios, comunidades e grupos mais atingidos por esses eventos extremos são aqueles que já se encontram em situação de vulnerabilidade social, econômica e ambiental, fruto das desigualdades estruturais que fundam o Brasil.
Mas são também esses territórios, comunidades e grupos que detêm as soluções para gerar adaptação e resiliência. Essas soluções, muitas vezes, são informadas por saberes ancestrais e empíricos, inspiradas na natureza, eficazes e seguras, e podem ampliar o impacto positivo para os territórios – e, por consequência, para o país e para o planeta, já que a mudança climática não reconhece fronteiras –, mas precisam ser reconhecidas e devidamente apoiadas.
Como, então, podemos fortalecer a cultura de doação no nosso país de forma que possa apoiar as soluções climáticas locais, desenvolvidas a partir desses territórios?
A filantropia de justiça socioambiental é um desses caminhos. Organizações doadoras independentes têm apoiado essa agenda, captando recursos de várias fontes para garantir que essas soluções tenham o necessário financiamento para avançar nos territórios onde são criadas, em alinhamento com a Diretriz 4 do Movimento por uma Cultura de Doação: fortalecer organizações da sociedade civil.
Casos como o das mulheres que constroem as próprias cisternas no sertão do Pajeú, em Pernambuco, para garantir acesso à água e enfrentar a desigualdade histórica no campo; e das mulheres indígenas brigadistas florestais dos povos Apinajé, Gavião, Krikati e Xerente, no Maranhão, são algumas das centenas de soluções que têm sido apoiadas por organizações dessa filantropia. Número que inclui apenas os apoios de organizações da Rede Comuá, que, juntas, doaram, entre 2022 e 2023, quase R$ 400 milhões para essa agenda.
Todos os anos, as organizações da Comuá abrem chamadas, editais e outros mecanismos para apoiar soluções climáticas locais, momento em que é possível perceber a grande quantidade de iniciativas e de saberes, nos diferentes territórios do país, orientados para o enfrentamento à mudança climática. Mas os recursos não têm sido suficientes para apoiar todas elas.
Nesse sentido, a filantropia convencional (empresarial e familiar) pode ter uma atuação estratégica e contribuir, de fato, para ampliar a resposta à questão climática, ao direcionar recursos para o financiamento de soluções que tornem as comunidades, grupos e territórios mais resilientes e adaptados, sofrendo menos os efeitos extremos do clima e, ao mesmo tempo, proporcionando acesso a direitos como saúde, ambiente seguro, moradia, segurança alimentar, segurança e, muitas vezes, o direito à própria vida com dignidade.
Arranjos envolvendo a filantropia de justiça socioambiental – que tem a expertise de fazer o recurso chegar na base de modo seguro e eficaz, por atuar há décadas em parceria com esses grupos e comunidades em seus territórios – e a filantropia convencional já têm acontecido, envolvendo instituições como, por exemplo, Itaúsa, Fundação Volkswagen e o Fundo Socioambiental CAIXA, exemplos de maneiras inovadoras em que a cultura de doação tem se expressado no Brasil.
Fica o chamado para que as diferentes filantropias em atuação no país, em especial frente à crise de financiamento internacional, sejam cada vez mais inovadoras na criação de arranjos que garantam a ampliação de recursos para essas soluções climáticas locais e para o acesso a direitos, com eficiência e segurança, endereçando, de maneira estratégica, os esforços para mitigação e adaptação às mudanças climáticas de modo inclusivo e sustentável.
Comments