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“Nós” e “Eles” na cultura de doação

  • culturadedoar
  • 20 de ago.
  • 2 min de leitura

Rafis Martins, ativista, comunicador, Diretor-Presidente do Instituto Sapiência e integrante do Movimento por uma Cultura de Doação.


Créditos da imagem: Vecteezy
Créditos da imagem: Vecteezy

Me incomoda quando ouço conversas sobre cultura de doação que parecem colocar “nós” de um lado e “eles” de outro. “Nós”, que organizamos, debatemos, estruturamos o campo. “Eles”, os que recebem, aqueles que supostamente são apenas beneficiários. Essa separação, além de me parecer artificial, considero até perigosa. Porque ao estabelecer distância, corremos o risco de invisibilizar onde a cultura de doação pulsa com mais força: nos territórios minorizados.


É ali, entre trancos e barrancos, que vemos gestos de generosidade sustentando a vida. Na vizinha que empresta um ovo para a outra fazer mistura para o almoço. No quilombo onde o coletivo garante que ninguém fique sem comer. Na comunidade indígena onde o conceito de “meu” e “teu” é relativizado pelo compartilhamento. Esses exemplos não cabem em planilhas de filantropia, mas carregam a essência do que chamamos de cultura de doação.

Quando penso na maior pessoa doadora que conheço, não é alguém de uma fundação ou de grande poder financeiro. É a minha avó quem vem à mente. Uma mulher que não se identifica como “doadora”, mas que dedicou boa parte da vida aos filhos, netos, vizinhos, comunidade. Ela doou dinheiro quando tinha, mas principalmente tempo, cuidado, presença. E talvez esse seja um dos maiores aprendizados que eu gostaria de trazer para o Movimento por uma Cultura de Doação: a valorização do cotidiano.


Vivemos em um momento em que o tempo está cada vez mais escasso, quase um recurso de luxo. Se entendermos que doar também é abrir espaço na agenda para ouvir alguém, acompanhar uma criança na lição de casa, visitar uma pessoa idosa, apoiar uma causa, então ampliamos radicalmente a ideia de quem pode doar e, consequentemente, de quem se identifica como pessoa doadora. Essa mudança de perspectiva é fundamental: não se trata de incluir “eles” na conversa, mas de reconhecer que “eles” já estão doando desde sempre. Muitas vezes até mais do que alguns de “nós”.


A cultura de doação que queremos fortalecer no Brasil não pode se restringir a cifras. Ela precisa valorizar os múltiplos modos de doar que já existem e resistem nos territórios. Precisa enxergar a potência do dia a dia, do improviso, do cuidado. Acredito que só assim conseguiremos construir uma sociedade engajada e favorável à cultura de doação, como propõe o Movimento.


Talvez a principal tarefa seja essa: atravessar a falsa fronteira entre “nós” e “eles” e admitir que todos fazemos parte da mesma rede. E que, se olharmos com atenção, os maiores mestres da doação podem estar muito mais perto do que imaginamos. Na vizinha, na comunidade, na família, na avó.


Qual pessoa mestra da doação você reconhece?

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Produzido pela equipe do Movimento por uma Cultura de Doação 2024

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